Disciplina e liberdade
Texto inédito de uma conferência que Maria Montessori proferiu em novembro de 1949 em Paris, aproximadamente dois anos antes de sua morte.
Artigo: Disciplina e liberdade
Tradução feita a partir do texto Discipline et Liberté da Maria Montessori com a colaboração de:
- Felipe Roquette
- Marília Alarcon Guidolin
Caso queira colaborar, envie um email para oi@ahuma.com.br .
Disciplina e liberdade
.1. Texto inédito de uma conferência que Maria Montessori proferiu em novembro de 1949 em Paris, aproximadamente dois anos antes de sua morte. Só foi publicado na revista “Pédagogie”, em maio de 1950. Este número está esgotado, por isso o reproduzimos para vocês. A Sra. J.J. Bernard preparou o texto escrito. Maria Montessori teve a gentileza de revisá-lo e aprová-lo.
.2. Apesar do seu entusiasmo e confiança, uma professora inexperiente enfrenta muitos problemas ao tentar fazer nascer a disciplina interior em uma pequena comunidade de crianças. Ela imagina que elas deveriam ser livres para escolher suas ocupações e que nunca deveriam ser interrompidas em suas atividades espontâneas. Nem sermões, nem ameaças; recompensas e castigos não são permitidos. Ela deve permanecer silenciosa e passiva, e esperar pacientemente... E é assim que ela age, pronta para suprimir sua própria personalidade, para deixar o espírito da criança florescer livremente.
.3. Ela dispôs para a turma uma grande quantidade de material, talvez todo o material... E a desordem começa; a desordem cresce e corre o risco de atingir proporções preocupantes...
É possível que os princípios que acabamos de lhe ensinar sejam falsos? Não, eles não são falsos. Mas falta algo entre a teoria e o resultado: a experiência. Os iniciantes precisam de orientação e esclarecimento neste ponto.
Devemos lembrar que a disciplina interior é uma meta a ser alcançada, e não algo pré-existente. Nossa função como professora é ser o guia no caminho da disciplina.
A disciplina aparecerá quando a criança concentrar a sua atenção num objeto que a atraia, e esta concentração, além de ser um exercício útil, também será um controle do erro.
Graças a estes exercícios, nascerá uma maravilhosa coordenação da personalidade da criança, revelando uma criança calma, radiante, estudiosa, esquecida de si mesma, portanto indiferente aos prêmios, às recompensas materiais. Estes pequenos conquistadores do mundo que nos rodeia são seres humanos verdadeiramente superiores; eles nos revelam a alma divina que está no homem.
A tarefa beneficente da professora é mostrar o caminho para a perfeição, fornecendo os meios e removendo os obstáculos - a começar por ela mesma, pois ela pode ser o maior de todos os obstáculos.
Se a disciplina já existisse, o nosso trabalho seria inútil; a criança seria guiada por um instinto seguro que lhe permitiria superar todas as dificuldades. Mas a criança de três anos que chega à escola é uma batalhadora, porque já foi alvo de repressão. Ela desenvolveu uma atitude defensiva que mascara sua natureza profunda. Suas energias superiores estão adormecidas, quando poderiam levá-la à paz através da disciplina e da sabedoria divina. Tudo o que permanece ativo nela é a personalidade superficial que se expressa em movimentos descoordenados e ideias vagas, buscando lutar ou fugir da opressão do adulto. A pequena alma já está recolhida em sua concha. Mas a sabedoria e a disciplina estão esperando para serem despertadas na criança. Ela sofreu repressão, mas sua casca ainda não endureceu. Nossos esforços não serão em vão. A escola deve dar regras à mente da criança, bem como a oportunidade de florescer. Além disso, a professora deve lembrar que as reações defensivas e, de forma mais geral, as características inferiores adquiridas pela criança, são obstáculos à expansão da sua vida espiritual. Portanto, ela deve também libertar a criança dessas limitações.
.4. Este é o ponto de partida da educação. Se a professora não souber distinguir os impulsos simples da energia espontânea que brotam da mente em repouso, seu esforço será infrutífero. A tarefa basilar da professora, para que seja eficaz, reside na capacidade de distinguir entre estas duas atividades; ambas parecem espontâneas porque a criança em ambos os casos age por vontade própria; mas seu significado é oposto.
.5. Só quando tiver adquirido esta possibilidade de discriminação é que a professora poderá tornar-se a observadora e o guia. O preparo necessário é semelhante ao do médico: ele deve primeiro aprender a discriminar o fenômeno fisiológico do fenômeno patológico. Se não souber distinguir a doença da saúde, não será capaz de reconhecer as diferenças cada vez mais sutis entre os fenômenos patológicos; será impossível para ele fazer um diagnóstico correto. Esta capacidade de distinguir o bem do mal é como a lâmpada que devemos ter nas mãos para nos iluminar no escuro caminho da disciplina que conduz à perfeição. É possível extrair alguns sintomas ou algumas combinações de sintomas de forma bastante explícita, para ajudar, mesmo teoricamente, a reconhecer os diferentes estágios pelos quais a alma da criança passa durante sua ascensão rumo à disciplina? Sim, isso é possível; e é uma pedra angular que podemos lançar para ajudar a professora na prática.
1. Criança no estado do caos
.6. Consideremos a criança de três ou quatro anos que ainda não passou pelas experiências que farão nascer a disciplina interior. Nela coexistem três características facilmente reconhecíveis numa tripla descrição.
1.1. Movimentos desordenados
.7. Movimentos voluntários são desordenados.
Não falo aqui da intenção dos movimentos, mas dos movimentos em si: falta uma coordenação fundamental. A criança desajeitada e que faz movimentos desordenados também apresentará outras características óbvias – choros e contorções – mas cujo significado será menos preciso. Assim, uma educação que coordene delicadamente os menores movimentos eliminará todas as perturbações dos movimentos voluntários. Em vez de tentar corrigir as mil manifestações externas de um desvio, bastará à professora oferecer formas de desenvolver com precisão os mínimos movimentos: como colocar um cubo muito pequeno no centro de um quadrado...
1.2. Dificuldade de fixar a atenção
.8. Outra característica que sempre acompanha a anterior é a dificuldade ou incapacidade de fixar a atenção nas coisas verdadeiras.
.9. Sua mente prefere vagar pelo reino da fantasia. Brincando com pedras ou folhas, ela fala em preparar uma deliciosa refeição, arrumar talheres magníficos, enviar convites... e sua imaginação, sem dúvida, vagará ainda mais quando crescer. Separando-se incessantemente de sua função normal, a inteligência esgota-se e desvia-se de ser um instrumento útil pelo espírito que dela necessita para o desenvolvimento da vida interior.
Infelizmente, muitas pessoas acreditam que esta força que desintegra a personalidade é precisamente a força que desenvolve a vida espiritual. Costuma-se afirmar que a vida interior é criativa em si mesma, que fora não há nada... como folhas mortas... A vida interior, pelo contrário, é construída sobre as bases fundamentais de uma personalidade unificada, firmemente orientada no mundo exterior. A mente errante que se separa da realidade separa-se, portanto, de sua função normal e, consequentemente, da sua saúde. Neste mundo de fantasia para o qual tende, não há controle do erro, nada capaz de coordenar o pensamento. O interesse pelas coisas reais, pelas suas aplicações futuras, diminui.
.10. A professora deve procurar chamar a atenção da criança para algo real, tornando a realidade acessível e atrativa. A professora deve conseguir despertar o interesse da criança em colocar talheres reais, numa mesa real, em servir uma refeição real; então a voz desta professora, como o toque de uma trombeta, chamará o espírito que havia se perdido. A coordenação de pequenos movimentos realizados devido ao chamado de atenção à realidade será o único remédio necessário.
.11. Não precisamos corrigir um por um, os aspectos mais ou menos evidentes de um desvio fundamental. Assim que a mente é capaz de fixar-se em coisas verdadeiras, a inteligência funciona de forma saudável.
1.3. Imitação
.12. O terceiro fenômeno – concomitante com os outros dois – é uma tendência cada vez maior para a imitação.
.13. Este sinal de grande fraqueza constitui um exagero de um traço de caráter normal em crianças menores, ou seja, de dois anos. Isto indica uma vontade que ainda não preparou seus instrumentos nem encontrou o seu rumo, mas que segue as indicações de outros. A criança não encontrou o caminho da perfeição; como um barco sem leme, é o joguete dos ventos.
Quem observar uma criança de dois anos com todas as suas ideias imitativas poderá reconhecer esta outra forma de imitação de que falo em relação à desordem e à instabilidade e que faz a criança regredir, como se estivesse descendo o degrau de uma escada. Basta que uma criança em sala de aula pratique um ato brutal e barulhento, como se jogar no chão, rir ou gritar, para que algumas ou talvez todas as crianças sigam seu exemplo.
A ação boba se multiplica e reverbera por todo o grupo, ou mesmo por toda a turma. Este tipo de imitação leva à desordem coletiva, à antítese da vida social que depende do trabalho e da boa ordem. A imitação propaga e exalta dentro do grupo os defeitos de uma única pessoa: é o ponto de menor resistência onde começa a desintegração. Quanto mais essa forma de desordem toma forma, mais difícil é para as crianças obedecerem àquele que as chama de volta para ações melhores. Mas coloque as crianças no caminho certo e você verá o fim das consequências de um erro inicial.
2. Despertar da criança
.14. Essa professora pode ficar muito ansiosa ao se ver na condução de uma turma inteira formada por essas crianças, quando só tem a ideia de base: dar-lhes os meios para se desenvolverem e deixá-las livres para se expressarem. O pequeno inferno que começou a se formar atrai para si todas as crianças; e se a professora permanecer passiva, será dominada pelo barulho e pela confusão. Aqueles que, por falta de experiência ou por excesso de rigidez ou por excesso de simplicidade de princípios, se encontram nesta situação, devem lembrar-se das possibilidades adormecidas nestas almas. Ela deve ajudar essas pequenas criaturas que estão se precipitando no abismo. Ela deve chamá-los, despertar os que ainda dormem, graças à sua voz e aos seus pensamentos.
.15. Não tenha medo de destruir o mal. Apenas devemos temer destruir o bem. Assim como devemos chamar uma criança pelo nome antes mesmo que ela saiba responder, também é necessário chamar vigorosamente a sua alma. A professora leva seus materiais à escola, bem como seus princípios; então ela deve lidar com a situação sozinha. O problema só pode ser resolvido através da sua inteligência e será diferente em cada caso particular. A professora conhece os sintomas e os remédios – na verdade, a teoria do tratamento – e cabe a ela fazer o resto.
.16. O bom médico, assim como o bom professor, é um indivíduo, não uma máquina de administrar medicamentos ou de aplicar um método de ensino. Os detalhes devem ser deixados ao critério da professora quando ela fizer as primeiras tentativas. Portanto, ela deve saber se é melhor, numa situação de desordem, levantar a voz ou falar baixinho com um pequeno grupo de crianças; ela poderá silenciar outros despertando sua curiosidade. Um acorde violentamente tocado no piano às vezes pode interromper a desordem, como um choque vigoroso.
3. Ordem superficial
.17. Uma professora experiente jamais terá a mesma desordem em sua turma porque, antes de se retirar, ela primeiro observará e orientará as crianças como que para “prepará-las” de forma indireta, ou seja, colocando freio nos movimentos descontrolados . Para tanto, existe uma série de exercícios preparatórios que a professora deve lembrar; crianças que não conseguem fixar sua atenção encontrarão ali ajuda sólida.
.18. Calma, vigilante e paciente, a sua voz deve chegar às crianças para as orientar ou estimular; alguns desses exercícios são particularmente úteis, como arrumar mesas e cadeiras silenciosamente, colocar cadeiras enfileiradas e sentar sobre elas, correr de uma ponta a outra da sala na ponta dos pés… Se a professora estiver realmente segura de si, pode ser suficiente dizer "agora vamos ter calma"... e a calma virá como num passe de mágica. As pequenas mentes errantes, assim evocadas pelos exercícios mais simples da vida prática, encontrar-se-ão trabalhando como em terra firme. Aos poucos a professora apresentará o material, mas nunca lhe dará livre escolha até que as crianças tenham compreendido completamente a sua utilização.
.19. Agora vamos observar uma turma tranquila; as crianças estão em contato direto com a realidade; suas ocupações têm uma finalidade prática, como passar um pano para tirar o pó de uma mesa... Eles vão até o armário, pegam um material e usam-no corretamente. Parece que a livre escolha foi conquistada graças ao exercício. Em geral, a professora fica satisfeita, mas parece-lhe que os materiais do método Montessori são insuficientes e ela se vê diante da necessidade de acrescentar outros. Em uma semana a criança utiliza todo o material e diversas vezes ela recomeça os exercícios. Talvez a maioria das escolas não ultrapassem este estágio.
.20. Um só fator revela a fragilidade desta aparente boa ordem e ameaça desabar todo o edifício: as crianças passam de um material a outro, fazem o exercício uma vez e depois procuram outra coisa nas estantes. O movimento em direção às estantes é contínuo. Nenhuma destas crianças encontra um interesse firme capaz de despertar a sua natureza à imagem de Deus: a sua personalidade não se exercita, não se desenvolve, não se fortalece. Nestes contatos flutuantes, o mundo exterior não pode exercer sobre ela a influência que equilibra a mente.
.21. A criança é como a abelha que voa de botão em botão, mas não consegue encontrar a flor para se instalar, extrair o néctar e se satisfazer. Ela não chega a se instalar. Ela não encontra esse ponto no qual sente despertar essa maravilhosa atividade instintiva destinada a construir seu caráter e seu espírito.
.22. A professora sente o quão difícil é a sua tarefa, neste momento em que a atenção está dispersa. Ela também geralmente passa de uma criança para outra, arrastando-as com sua própria ansiedade numa agitação cansativa. Muitas crianças, assim que ficam fora de sua vista, brincam com o material, ficam entediadas e usam-no de maneiras absurdas. Enquanto ela está ocupada com uma delas, os outros erram. O progresso moral e intelectual esperado com tanta confiança não surge. Essa disciplina superficial é muito frágil e a professora que semeia a desordem no ar está em perpétuo estado de tensão. A grande maioria das professoras com formação ou experiência insuficientes acaba acreditando que a tão esperada “nova criança”, que tanto ouviu falar, é apenas uma ilusão, um ideal. É preciso que a professora consiga compreender a condição das crianças: elas estão em um período de transição, estão esperando, seu pequeno espírito está batendo na porta, esperando que alguém a abra. No que diz respeito ao progresso, há pouco para constatar. Este estágio está mais próximo do caos do que da disciplina. Todo o trabalho destas crianças será imperfeito; os movimentos elementares de coordenação serão desprovidos de força e de graça, e suas ações serão caprichosas. Elas mal progrediram desde o primeiro estágio quando não estavam em contato com a realidade; é apenas uma convalescença após a doença.
.23. Neste período crucial do desenvolvimento, a professora deve exercer duas funções distintas: em primeiro lugar, ter sob os olhos todas as crianças; depois dar lições individuais, ou seja, oferecer o material frequentemente, mostrando como utilizá-lo com precisão.
.24. O olhar para a turma toda e as lições individuais são os dois elementos que auxiliam no desenvolvimento da criança. A professora deve ter o cuidado, nesta fase, de nunca virar as costas à turma, enquanto cuidar de uma criança isoladamente. A sua presença deve ser sentida por todas estas pequenas almas em busca da vida eterna. A lição exata e poderosa dada em particular a cada indivíduo separadamente é uma oferenda que a professora leva às profundezas do espírito da criança. Aquela que é chamada assume um aspecto de grandeza. Um belo dia, um pequeno espírito desperta. Seu ser toma posse de um determinado objeto. A atenção concentra-se na repetição do exercício; a execução é aperfeiçoada. O brilho no semblante da criança indica que o seu espírito acaba de nascer.
4. A Disciplina
.25. A livre escolha é uma atividade de ordem superior; somente a criança que sabe suas necessidades para exercitar e desenvolver sua vida espiritual pode verdadeiramente escolher livremente. Não podemos falar de livre escolha quando todos os objetos externos apelam igualmente à criança, e quando, faltando direção em sua vontade, ela passa interminavelmente de uma coisa para outra.
.26. Esta é uma das distinções mais importantes que a professora deve ser capaz de fazer. A criança que ainda não obedece a um guia interior não é a criança livre que percorre o caminho estreito e longo da perfeição. Ela ainda é escrava das sensações superficiais que fazem dela um joguete do ambiente. Sua mente pula de um brinquedo para outro como um balão. O ser humano nasce quando sua alma se instala, se orienta e escolhe. Este fenômeno comovente e simples aparece em cada ser: todos têm a possibilidade de escolher num ambiente complicado e multiforme; isso que é necessário para manter a vida.
.27. Cada planta escolhe, graças à sua raiz, entre os numerosos elementos do solo, aqueles que necessita; um inseto escolhe com exatidão e se fixa na flor adequada que irá recebê-lo. No homem, porém, esse mesmo discernimento maravilhoso não é um instinto puro, deve ser adquirido. As crianças têm, sobretudo nos primeiros anos da sua existência, uma sensibilidade interior em relação às suas necessidades espirituais, e que a repressão e a educação errônea podem fazer desaparecer. Nós mesmos perdemos esta sensibilidade profunda e vital e nos encontramos diante da ressurreição desta sensibilidade através da criança, como diante da revelação de um sistema.
.28. Isto surge no delicado ato de livre escolha que uma professora inexperiente arriscaria desistir antes mesmo de tentar, como um elefante esmagando um botão de flor na grama. A criança que fixou a atenção num objeto escolhido e que concentra todo o seu ser na repetição de um exercício é uma alma salva, no que diz respeito à saúde espiritual de que estamos falando. Não é mais preciso se preocupar com ela, basta preparar o seu ambiente, para que ela encontre alimento para a sua atividade, e remover os obstáculos que possam obstruir o seu caminho para a perfeição.
.29. No nascimento destes fenômenos superiores, a professora deve retirar-se, para que a mente da criança fique livre para florescer e se expressar; o importante na sua tarefa agora é não interromper o trabalho da criança. É chegado o momento em que a delicadeza moral da criança, adquirida durante sua experiência, se manifestará ao passo que se restringe tanto a ajuda quanto a admiração. A professora deve aprender, o que é difícil, a servir ou ser uma simples observadora. Para servir, ela também deve observar; porque o fenômeno do nascimento da concentração nas crianças é tão frágil quanto um tenro botão. Ela deverá observar não mais para auxiliar com a própria força os espíritos ainda frágeis; ela observará para reconhecer a criança cuja atenção está concentrada, a fim de assistir esse glorioso renascimento do espírito.
.30. A criança que se concentra é feliz, alheia aos vizinhos e às pessoas ao seu redor. Por um momento, sua mente é como a consciência de sua própria personalidade. Quando ela sai do estado de concentração, parece consciente do mundo ao seu redor, como se fosse a primeira vez. E isso tem um alcance ilimitado para futuras descobertas; ela também tem consciência dos seus colegas, pelos quais demonstra um interesse afetuoso. Ela desperta para o amor aos seres e às coisas, é gentil e afetuosa com todos, pronta para admirar tudo o que há de belo. A criança simplesmente se isola e, dentro dela, emerge um caráter forte e pacífico que irradia amor ao seu redor. Desta atitude nasce o trabalho incansável, a obediência e ao mesmo tempo a alegria de viver. O resultado da concentração é o despertar do senso social.
.31. A professora deve estar preparada para o que vem a seguir: para esses coraçõezinhos recém-nascidos, ela será a criatura amada. Irão descobri-la como descobriram recentemente o azul do céu e o cheiro quase imperceptível das florzinhas escondidas na relva. As necessidades destas crianças, tão entusiasmadas e cujos progressos parecem explosões, podem surpreender a professora inexperiente. Tal como antes, não eram os mil distúrbios da criança que ela deveria levar em consideração, mas os sinais dessas necessidades fundamentais; também agora ela não deve deixar-se dominar pelos inúmeros sinais da beleza, por toda riqueza moral que transborda. Deve sempre pender a ver as coisas como algo simples e elementar. É como a dobradiça sobre o qual uma porta se move; esta dobradiça está necessariamente oculta, independente da ornamentação da própria porta, mesmo que ela seja ricamente esculpida. A missão da professora sempre está focada em algo constante e preciso. Ela começa a se sentir inútil, porque o progresso da criança é desproporcional ao papel que ela desempenha. Ela constantemente vê as crianças se tornarem mais independentes na escolha de suas ocupações e na sua capacidade de expressão; e o seu progresso às vezes parece quase milagroso. Ela simplesmente se sente como uma serva cuja humilde tarefa é preparar o ambiente e se afastar. Ela se lembra das palavras de João Batista depois que o Messias se revelou: “É necessário diminuir para que ele cresça”. Porém, este é o momento em que sua autoridade será mais procurada.
.32. Assim, uma criança cuja ação inteligente fez um desenho, uma palavra escrita ou alguma outra coisinha vem perguntar à professora se aquilo é bom, mas nunca pergunta o que deve fazer ou como deve fazê-lo. Na verdade, estas crianças defendem-se contra toda a ajuda.
.33. A escolha e a execução são prerrogativas preciosas da alma liberta. Mas quando o trabalho estiver concluído, elas o terão aprovado pela sua autoridade. Um instinto semelhante faz com que defendam energicamente o seu domínio espiritual privado. É a misteriosa obediência a esta voz que todos parecem ouvir no fundo de si; e depois submetem as suas ações à autoridade externa, como que para garantir que estão no caminho certo. Isto traz à imagem da criança que dá os primeiros passos com suas pernas inseguras e que precisa ver os braços do adulto estendidos em sua direção, prontos para impedir sua queda, embora a força que inicia e aperfeiçoa a ação de caminhar seja encontrada na própria criança. A professora deve responder com uma palavra de consentimento e encorajar com um sorriso como a mãe sorri para a criança que dá os primeiros passos. A segurança e a perfeição devem desenvolver-se na criança graças a fontes interiores com as quais a professora nada tem a ver.
.34. Na verdade, uma vez que a criança esteja segura, ela não buscará mais a aprovação da autoridade toda vez. Ele começará a acumular trabalhos concluídos que ninguém conhece, obedecendo simplesmente à necessidade de produzir em quantidade e aperfeiçoar sua produção. O que lhe interessa é terminar o seu trabalho, não vê-lo admirado ou guardado como sua propriedade; o nobre instinto que a leva a agir está longe do orgulho ou da avareza.
.Muitas pessoas que visitaram nossas escolas se lembrarão de como os professores lhes mostravam os mais belos trabalhos das crianças sem lhes contar os autores. Esse aparente esquecimento do trabalho honesto e trabalhoso vem, na verdade, do fato de que a professora sabe que isso não é importante para a criança. Em outras escolas, a professora se sentiria culpada se, ao mostrar um belo trabalho, não apresentasse o seu autor. Se ela esquecesse de fazer isso, poderia até ouvir o protesto da criança: “Eu fiz isso!” Nas nossas escolas, pelo contrário, a criança que fez o trabalho está, sem dúvida, num outro canto, absorta noutro trabalho e o seu maior desejo é não ser interrompida.
.35. E este é o período em que se estabelece a disciplina: uma forma de paz ativa, de obediência e de amor, durante a qual o trabalho se aperfeiçoa e se multiplica, assim como na primavera a cor das flores, precursoras dos frutos doces e refrescantes.
Maria Montessori
O projeto Ahuma
Ahuma é o nosso projeto para divulgar a pedagogia criada por Maria Montessori aos parentes e curiosos, daremos o suporte necessário para você viver em harmonia com as suas crianças.
Nós
Uma equipe dinâmica, alegre, trabalhadora, bondosa, unida... podemos dizer que somos uma família que preza pelo bem do próximo e pelo bem de nossas ações no mundo.
Na nossa equipe temos pedagogos, educadores, cientistas e professores Montessoris certificados pela AMI (Association Motnessori Internacionale).